LGPD - GUIA ORIENTATIVO - DOS AGENTES E ENCARREGADO
A
Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº.13.709/2018 [i])
determinou a criação de uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados, conhecida
como ANPD, órgão este da administração pública federal e integrante da
Presidência da República.
Em
adendo, na época de aprovação da LGPD houve veto presidencial do presidente
Michel Temer no tocante à criação da ANPD e do Conselho Nacional de Proteção de
Dados Pessoais e Privacidade, sob argumento de que sua sanção naquele momento
inviabilizaria o funcionamento da administração pública.
Nesta
esteira, apenas em 27/08/2020 foi publicado o Decreto 10.474/2020[ii]
que aprovou e regulamentou a ANPD com o objetivo de proteger os direitos
fundamentais de liberdade, privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade
da pessoa natural.
A
Autoridade Nacional de Proteção de Dados é estruturalmente constituída por: I.
Conselho Diretor; II. Órgão Consultivo; III. Órgão de Assistência Direta e Imediata
ao Conselho Diretor; IV. Órgãos Seccionais, conforme detalhado no artigo 3º do decreto supracitado.
Compete
a ANPD, de forma latu senso, zelar, implementar e fiscalizar o
cumprimento da LGPD em todo o território nacional, entretanto em seu artigo
55-J é pormenorizada tal competência num rol de vinte quatro incisos.
Em
poder de suas atribuições, em 28/05/2021 a ANPD publicou um Guia Orientativo
para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do Encarregado[iii],
composto de 7 capítulos e 80 itens. Baseado em frequentes questionamentos a
respeito dos conceitos para a atuação de organizações públicas e privadas no tratamento
de dados pessoais.
O
guia em comento visa estabelecer diretrizes não-vinculantes aos agentes de
tratamento e explicar quem pode exercer a função do controlador, operador e do
encarregado, trazendo definições legais, regimes de responsabilidade, exemplos de
casos concretos e respostas sobre as perguntas mais corriqueiras sobre o tema.
Neste
sentido, note que a qualificação de cada agente de tratamento de dados é de suma relevância, posto que a atribuição de responsabilidades
em relação à reparação por danos decorrentes de atos ilícitos é distinta de
acordo com a qualificação destas pessoas.
A
seguir serão interpretados alguns pontos importantes, ora elencados no Guia em tela,
todos em consonância com os conceitos já tabulados pela LGPD:
-
Agentes de tratamento:
corresponde ao controlador e ao operador de dados pessoais, os quais podem ser
pessoas naturais ou jurídicas, de direito público ou privado a serem definidos
por cada instituição. O agente de tratamento de dados é definido para cada
operação de tratamento, logo, a mesma organização poderá ser controladora e
operadora, de acordo com sua atuação em diferentes operações de tratamento.
Pessoas naturais podem ser consideradas controladoras ou operadoras de
dados pessoais, tidas como controladoras quando atuarem de acordo com os
próprios interesses, com poder de decisão sobre as finalidades e os elementos
essenciais de tratamento. De outro lado, as operadoras serão assim intituladas,
quando agirem de acordo com os interesses do controlador, sendo-lhe facultada
apenas a definição de elementos não essenciais à finalidade do tratamento. É
notório que o operador deve ser uma entidade distinta do controlador,
subordinado a este ou como membro de seus órgãos.
Assim
como, os funcionários da instituição atuarão em subordinação às decisões do
controlador, não se confundindo com os operadores de dados pessoais, o
funcionário em síntese é um representante do agente, que como dito, deve atuar
de acordo com os interesses e finalidades definidas pelo controlador.
O
próprio guia em estudo, em seu item de nº. 10, traz um exemplo claro de como deve
internamente ser a definição de tais pessoas, bem como será aplicada a
legislação aos olhos da ANPD:
"10.
A título exemplificativo, uma empresa decide enviar propagandas aos seus
clientes com a finalidade de alavancar as vendas de determinado produto. Para
isso, contrata agência de publicidade, que elaborará a campanha de marketing
com fotos de pessoas utilizando o produto. A empresa informa todos os
critérios para a campanha, tais como o público-alvo e estabelece os critérios
de como deve ser a aparência física dos modelos fotográficos. A agência
de publicidade trata dados pessoais para prestar o serviço para a empresa,
ao selecionar modelos fotográficos e armazenar as fotos desses titulares. Após
a conclusão do serviço pela agência, o funcionário da empresa envia as
propagandas aos clientes.
Neste
exemplo a empresa atua como controlador, ao determinar o
tratamento de dados e definir os seus elementos essenciais. A agência de
publicidade atua como operadora ao tratar dados conforme a finalidade
do tratamento definida pelo controlador. E o funcionário, ao
enviar os e-mails para os clientes, atua sob o poder diretivo da empresa
e não se caracteriza como agente de tratamento."
-
Controlador: é o
agente responsável por tomar as principais decisões referentes ao tratamento de
dados pessoais e por definir a finalidade deste tratamento. Entre essas
decisões, incluem-se as instruções fornecidas a operadores contratados para a
realização de um determinado tratamento de dados pessoais.
Dentre
as atribuições estabelecidas pela LGPD ao controlador, temos a de elaborar o
relatório de impacto à proteção de dados pessoais, comprovar que o
consentimento obtido do titular atende às exigências legais e a de comunicar à
ANPD a ocorrência de quaisquer incidentes de segurança.
Não
obstante, lhe compete, de forma não exauriente, fornecer informações relativas ao
tratamento, assegurar a correção e a eliminação de dados pessoais, receber
requerimento de oposição a tratamento. Lembrando que o titular dos dados pode,
ainda, peticionar contra o controlador perante a ANPD, o que denota a
relevância da compreensão do conceito e competências de um controlador, não só
para os profissionais que atuam nesta área, mas também para o cidadão comum.
Na
prática, o que denota quem é o controlador é o seu poder decisório principal quanto
ao tratamento de dados, sua influência e controle sobre as relevantes decisões
sobre o tema. Isso engloba que caiba a ele a definição da finalidade do
tratamento dos dados, sua natureza e período de tratamento.
Lembrando
que natureza dos dados pessoais diz respeito a sua origem, a que se referem de
fato (mero exemplo: dados pessoais bancários de empregados), finalidade do
tratamento trata do objetivo para o qual aquele dado será tratado (mero
exemplo: pagamentos de empregados) e duração do tratamento corresponde ao
período que será realizada a operação, de sua coleta até sua eliminação (mero
exemplo: iniciada na contratação do funcionário e extinta quando concluído o
prazo legal de guarda estabelecido pela lei).
O
papel de controlador pode decorrer expressamente de obrigações estipuladas em
instrumentos legais e regulamentares ou em contrato firmado entre as partes.
Não obstante, a efetiva atividade desempenhada por uma organização pode se
distanciar do que estabelecem as disposições jurídicas formais, razão pela qual, é de suma importância avaliar se o suposto controlador é, de fato, o
responsável pelas principais decisões relativas ao tratamento. Não adianta
haver tais títulos apenas no papel, deve-se analisar a dinâmica e processo
interno dentro da instituição.
Ademais,
em muitos casos, o controlador será uma pessoa jurídica, seja de direito
privado ou de direito público. É o que ocorre, por exemplo, quando sociedades
empresárias ou entidades públicas tomam as principais decisões a respeito do
armazenamento, da eliminação ou do compartilhamento de informações que integram
um banco de dados pessoais que é gerido no âmbito da organização. Assim, não serão
tidas como controladoras as pessoas naturais que atuam simplesmente como
profissionais subordinados de uma pessoa jurídica ou como membro de seus
órgãos.
O
guia orienta que se trata de comando legal que atribui obrigações específicas à
pessoa jurídica, de modo que esta assume a responsabilidade pelos atos
praticados por seus agentes e prepostos em face dos titulares e da ANPD.
Já
nas operações de tratamento de dados pessoais conduzidas por órgãos públicos
despersonalizados a pessoa jurídica de direito público a que os órgãos sejam vinculados
é a controladora dos dados pessoais e, portanto, responsável pelo cumprimento
da LGPD.
Contudo,
em razão do princípio da desconcentração administrativa, o órgão público despersonalizado
desempenhará funções típicas de controlador de dados, de acordo com as obrigações
estabelecidas na LGPD.
Adiante,
se faz justo esclarecer que uma pessoa natural poderá ser controladora apenas
em situações em que é a responsável pelas principais decisões referentes ao
tratamento de dados pessoais, ou seja, existe uma independência e autonomia em
suas ações, ela não é subordinada a uma pessoa jurídica ou atua como membro de
um órgão dela. Tal situação ocorre por exemplo quando falamos de empresários individuais ou profissionais liberais.
Veja
que para lei não são considerados controladores (autônomos ou conjuntos) ou
operadores os indivíduos subordinados, tais como os funcionários, os servidores
públicos ou as equipes de trabalho de uma organização, já que atuam sob o poder
diretivo do agente de tratamento.
Adiante,
é colacionado o artigo 43 da LGPD, no qual estabelece as hipóteses em que os
agentes de tratamento não serão responsabilizados:
“Art. 43. Os agentes de tratamento
só não serão responsabilizados quando provarem:
I - que não realizaram o tratamento
de dados pessoais que lhes é atribuído;
II - que, embora tenham realizado o
tratamento de dados pessoais que lhes é atribuído, não houve violação à
legislação de proteção de dados; ou
III - que o dano é decorrente de
culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro.”
Sem
dúvidas que o caso concreto deverá ser analisado com precisão, cabendo provas cabais
sobre o papel de cada ente envolvido no tratamento de dados. Inclusive, no caso
de uma controladoria conjunta, é possível se determinar a responsabilidade
solidária.
- Operador: pessoa natural ou jurídica, de
direito público ou privado, que realiza o tratamento de dados pessoais em nome
do controlador e conforme a finalidade por este delimitada. Cabendo a ele
realizar o tratamento de dados em consonância com as instruções fornecidas pelo
controlador, que verificará a observância das próprias instruções e das normas
sobre a matéria.
O operador
só pode tratar os dados para a finalidade previamente estabelecida pelo
controlador. Isso demonstra a principal diferença entre o controlador e o operador, qual seja, o poder de decisão: o operador só pode agir no limite das finalidades
determinadas pelo controlador.
São algumas das obrigações do operador: (i)
seguir as instruções do controlador; (ii) firmar contratos que estabeleçam,
dentre outros assuntos, o regime de atividades e responsabilidades com o
controlador; (iii) dar ciência ao controlador em caso de contrato com
suboperador. Ao operador cabe a definição de elementos não essenciais no
tratamento de dados, como medidas técnicas.
O guia da
ANPD diz ser uma boa prática que o operador e o controlador firmem um contrato
sobre o tratamento de dados, definindo-se pontos como o objeto do tratamento de
dados, sua duração, natureza, finalidade, os tipos de pessoas envolvidas no tratamento,
bem como os direitos e obrigações relacionados ao cumprimento da LGPD.
O artigo 37 da LGPD estabelece que o operador e controlador devem manter o registro das operações de tratamento de dados que realizarem, sendo claro que ambos compartilham de deveres e obrigações, vide o artigo 42 de mesma lei:
“Art. 42. O controlador ou o
operador que, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados
pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em
violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo.
§ 1º A fim de assegurar a efetiva
indenização ao titular dos dados:
I - o operador responde
solidariamente pelos danos causados pelo tratamento quando descumprir as
obrigações da legislação de proteção de dados ou quando não tiver seguido as
instruções lícitas do controlador, hipótese em que o operador equipara-se ao
controlador, salvo nos casos de exclusão previstos no art. 43 desta Lei;
II - os controladores que estiverem
diretamente envolvidos no tratamento do qual decorreram danos ao titular dos
dados respondem solidariamente, salvo nos casos de exclusão previstos no art.
43 desta Lei.
§ 2º O juiz, no processo civil,
poderá inverter o ônus da prova a favor do titular dos dados quando, a seu
juízo, for verossímil a alegação, houver hipossuficiência para fins de produção
de prova ou quando a produção de prova pelo titular resultar-lhe excessivamente
onerosa.
§ 3º As ações de reparação por
danos coletivos que tenham por objeto a responsabilização nos termos do caput
deste artigo podem ser exercidas coletivamente em juízo, observado o disposto
na legislação pertinente.
§ 4º Aquele que reparar o dano ao
titular tem direito de regresso contra os demais responsáveis, na medida de sua
participação no evento danoso.”
Mais uma vez, resta claro que as obrigações e responsabilidades do controlador e operador devam ser distintas, baseadas no papel e atividade de cada um. A caracterização
da responsabilidade solidária é considerada uma excepcionalidade, já que a
regra é que a responsabilidade seja exclusivamente do controlador. Deve-se mais
uma vez analisar o caso concreto com cautela, tendo por base o contexto fático
e comprobatório para se determinar penalidades.
-
Suboperador: é
aquele contratado pelo operador para auxiliá-lo a realizar o tratamento de
dados pessoais em nome do controlador.
Ao
elaborar o guia em epígrafe, a ANPD estabeleceu a figura de um novo ente, chamado
de suboperador, embora tal conceito não exista na LGPD. Nova nomenclatura foi utilizada
visando a compreensão de cadeias mais complexas de tratamento de dados.
Porém,
independentemente dos arranjos institucionais entre operador e suboperador,
para efeitos da LGPD, ambos podem desempenhar, a depender do caso concreto, a
função de operador e responder perante a ANPD.
Mais
uma vez se recomenda a implementação de instrumentos contratuais, agora
firmados entre o operador e o suboperador, visando delimitar todas as
diretrizes oriundas do controlador, documentando-se assim como deve ser a
execução do serviço.
- Encarregado: é o indivíduo indicado pelo controlador, responsável por garantir a conformidade de uma organização, pública ou privada, à luz da LGPD. Vejamos:
Art.
41. O controlador deverá indicar encarregado pelo tratamento de dados pessoais.
§
1º A identidade e as informações de contato do encarregado deverão ser
divulgadas publicamente, de forma clara e objetiva, preferencialmente no sítio
eletrônico do controlador.
§
2º As atividades do encarregado consistem em:
I
- aceitar reclamações e comunicações dos titulares, prestar esclarecimentos e
adotar providências;
II
- receber comunicações da autoridade nacional e adotar providências;
III
- orientar os funcionários e os contratados da entidade a respeito das práticas
a serem tomadas em relação à proteção de dados pessoais; e
IV
- executar as demais atribuições determinadas pelo controlador ou estabelecidas
em normas complementares.
§
3º A autoridade nacional poderá estabelecer normas complementares sobre a
definição e as atribuições do encarregado, inclusive hipóteses de dispensa da
necessidade de sua indicação, conforme a natureza e o porte da entidade ou o
volume de operações de tratamento de dados.
O encarregado poderá ser tanto um funcionário da instituição quanto um agente externo, de natureza física ou jurídica. Recomenda-se que o encarregado seja indicado por um ato formal, como um contrato de prestação de serviços ou um ato administrativo.
É
importante observar que a LGPD não proíbe que o encarregado seja apoiado por
uma equipe de proteção de dados. Ao contrário, considerando as boas práticas, é
importante que o encarregado tenha recursos adequados para realizar suas
atividades, o que pode incluir recursos humanos. Outros recursos que devem ser
considerados são tempo (prazos apropriados), finanças e infraestrutura.
Note
que o encarregado pode atuar em nome de diferentes organizações, entretanto
deve-se observar se ele é capaz de realizar suas atribuições com eficiência,
atendendo com perfeição as atividades exigidas por cada organização.
Destarte,
para fins da LGPD, a responsabilidade pelas atividades de tratamento de dados
pessoais é mantida a imputação ao controlador e/ou operador de dados, conforme
já exposto.
Autora desde artigo:
Nadya Prinet Godoy
Disponibilizado em: Jun/2021
Imagem: Capa do Guia publicado pela ANPD
[i]
Presidência da República. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 01 de jun. de 2021.
[ii]
Presidência da República. Aprova
a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das
Funções de Confiança da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e remaneja e
transforma cargos em comissão e funções de confiança. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/D10474.htm. Acesso em: 01 de jun. de 2021.
[iii] ANPD. Guia
Orientativo para Definições dos Agentes de Tratamento de Dados Pessoais e do
Encarregado. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/2021.05.27GuiaAgentesdeTratamento_Final.pdf.
Acesso em: 01 de jun. de 2021.
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